I- Considerações iniciais
A discussão sobre a condição jurídica dos oficiais da reserva não remunerada não é meramente acadêmica, mas também de amplo interesse prático tendo em vista diversas circunstâncias fáticas que envolvem essa classe de “militares”, principalmente no campo penal militar e administrativo militar.
Cabe aqui relembrar que o posto é o grau hierárquico do oficial e “Patente é o título que comprova a nomeação do militar para determinado posto da hierarquia” (MAXIMILIANO, 1954, p. 254). Tanto o posto, quanto a patente somente serão perdidas pelo oficial, nos casos expressos na Constituição Federal (art. 142, § 3°, incisos VI e VII).
Primeiramente é importante destacar o contido no Estatuto dos Militares (Lei Federal n. 6.880, de 09-12-1980):
Art. 3° Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares.
§ 1° Os militares encontram-se em uma das seguintes situações:
a) na ativa:
I - os de carreira;
II - os incorporados às Forças Armadas para prestação de serviço militar inicial, durante os prazos previstos na legislação que trata do serviço militar, ou durante as prorrogações daqueles prazos;
III - os componentes da reserva das Forças Armadas quando convocados, reincluídos, designados ou mobilizados;
IV - os alunos de órgão de formação de militares da ativa e da reserva; e
V - em tempo de guerra, todo cidadão brasileiro mobilizado para o serviço ativo nas Forças Armadas.
b) na inatividade:
I - os da reserva remunerada, quando pertençam à reserva das Forças Armadas e percebam remuneração da União, porém sujeitos, ainda, à prestação de serviço na ativa, mediante convocação ou mobilização; e
II - os reformados, quando, tendo passado por uma das situações anteriores estejam dispensados, definitivamente, da prestação de serviço na ativa, mas continuem a perceber remuneração da União.
III - os da reserva remunerada, e, excepcionalmente, os reformados, executado tarefa por tempo certo, segundo regulamentação para cada Força Armada. (Redação dada pela Lei nº 9.442, de 14.3.1997) (Vide Decreto nº 4.307, de 20020).
§ 2º Os militares de carreira são os da ativa que, no desempenho voluntário e permanente do serviço militar, tenham vitaliciedade assegurada ou presumida. (g. n.).
Como os militares se encontram ou na ativa; ou na inatividade e lei não contempla o militar da reserva não remunerada em nenhuma das situações, a única conclusão possível que se pode extrair da lei é que o militar da reserva não remunerada não é um militar, ao menos legalmente. Em outras palavras o que a lei quer dizer é que o “militar” da reserva não remunerada é um civil.
II- A situação do militar da reserva não remunerada quanto a questões disciplinares
O Regulamento Disciplinar do Exército estabelece textualmente que estão sujeitos àquele regulamento os militares da ativa, da reserva remunerada e os reformados (RDE-2002, art. 2°). Por exclusão, os militares da reserva não remunerada não estão sujeitos ao regulamento. Isso porque os militares da reserva não remunerada são considerados como civis, na interpretação do artigo 3°, do Estatuto dos Militares.
Quanto ao Conselho de Justificação, a legislação correspondente descreve que:
O Conselho de Justificação é destinado a julgar, através de processo especial, da incapacidade do oficial das Forças Armadas - militar de carreira - para permanecer na ativa, criando-lhe, ao mesmo tempo, condições para se justificar. Parágrafo único. O Conselho de Justificação pode, também, ser aplicado ao oficial da reserva remunerada ou reformado, presumivelmente incapaz de permanecer na situação de inatividade em que se encontra (Lei n. 5.836, de 05-12-1972, art. 1°, g. n.).
Observe que a Lei exclui o militar da reserva não remunerada.
Em complemento a legislação existente, o Decreto n. 4.502, de 09-12-2002, que aprova o Regulamento para o Corpo de Oficiais da Reserva do Exército - R-68 especifica que:
Art. 5º A Reserva de 2ª Classe é constituída por:
[....]
Parágrafo único. Os integrantes da Reserva de 2ª Classe são da reserva não remunerada e, após convocados, considerados militares temporários da ativa, só voltando a compor a Reserva de 2ª Classe quando excluídos do serviço ativo (g. n.).
Note que para o regulamento, os militares da reserva não remunerada, integrantes da Reserva de 2ª Classe (R/2) são considerados militares, somente depois de convocados.
III- Licenciamento a bem da disciplina e exclusão da reserva não remunerada pela perda do posto e da patente
O licenciamento a bem da disciplina e exclusão da reserva não remunerada pela perda do posto e da patente são institutos diferentes: o primeiro (licenciamento) é uma punição disciplinar prevista no Regulamento Disciplinar do Exército, já a exclusão da reserva não remunerada pela perda do posto e da patente é uma punição decorrente do julgamento de um processo ético-moral, com a participação do tribunal competente (Superior Tribunal Militar).
Quanto ao licenciamento dos oficiais “temporários” prescreve o regulamento (Decreto n. 4.502, de 09-12-2002):
Art. 32. O licenciamento do serviço ativo dos oficiais e aspirantes-a-oficial temporários se efetua:
I - a pedido; ou
II - ex officio.
[....]
§ 2º O licenciamento ex officio será efetuado:
I - por término de período de convocação ou de prorrogação do tempo de serviço;
II - por conveniência do serviço;
III - quando o oficial ou aspirante-a-oficial temporário passar a exercer cargo ou emprego público permanente, estranho à sua situação de militar temporário do Exército; e
IV - a bem da disciplina, conforme previsto no Regulamento Disciplinar do Exército.
§ 3º O licenciamento previsto no inciso II do § 2º deste artigo cabe ao comandante de RM e nos demais casos aos comandantes, chefes ou diretores de OM.
[.....].
Quanto ao licenciamento a bem da disciplina ele será aplicado pelo Comandante do Exército ou comandante, chefe ou diretor de organização militar aos oficiais da reserva não remunerada, quando convocados, no caso de condenação com sentença transitada em julgado por crime doloso, comum ou militar (RDE-2002, art. 32, § 2°). Ou ainda, o licenciamento a bem da disciplina poderá ser aplicado aos oficiais da reserva não remunerada, quando convocados, e praças sem estabilidade, em virtude de condenação por crime militar ou comum culposo, com sentença transitada em julgado, a critério do Comandante do Exército ou comandante, chefe ou diretor de OM (RDE-2002, art. 32, § 3°).
No caso de licenciado “ex officio” a bem da disciplina, o licenciado receberá o certificado de isenção do serviço militar, previsto na legislação que trata do serviço militar (Lei Federal n. 6.880, de 09-12-1980, art. 121, § 5°). Entretanto, nesse caso específico, embora o militar seja desligado do serviço ativo, ele não mais comporá a reserva não remunerada (Decreto n. 4.502, de 09-12-2002, art. 8°, VI). Tal forma de licenciamento mesmo decorrendo de sentença criminal transitada em julgado, deve ser motivada:
ADMINISTRATIVO - MILITAR TEMPORÁRIO - LICENCIAMENTO A BEM DA DISCIPLINA - ATO MOTIVADO - SINDICÂNCIA - NECESSIDADE DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA.
1 - O militar temporário pode ser licenciado sem motivação. Se o licenciamento deu-se a bem da disciplina, ato motivado, vinculado, sujeita-se à apuração da veracidade, obedecido o devido processo legal - due process of law.
2 - Precedentes (REsp. nº 260181/RJ, Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA e ROMS nº 11194/PE, Min. FERNANDO GONÇALVES).
2 - Recurso que se conhece, nos termos acima expostos, porém desprovido.
(REsp 250.566/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 25/06/2004, DJ 02/08/2004, p. 470)
Um último aspecto deve ser ressaltado: o licenciamento a bem da disciplina não significa, necessariamente, a perda do posto e patente dos oficiais porque “os oficiais e aspirantes-a-oficial temporários, quando licenciados, conservarão o mesmo posto em que se encontravam na ativa” (Decreto n. 4.502, de 09-12-2002, art. 33). A norma não faz qualquer exceção quanto à forma de licenciamento, constante no artigo 32 do mesmo Decreto (onde se inclui o licenciamento a bem da disciplina). Tal situação é perfeitamente compreensível, mesmo porque a perda do posto e patente dos oficiais ocorre em casos específicos, previstos na Constituição Federal.
Diferente do licenciamento a bem da disciplina acima destacado, existe a exclusão da reserva não remunerada, em decorrência da perda do posto e patente dos oficiais (Decreto n. 4.502, de 09-12-2002, art. 36, inciso II). Nesse caso, devem-se observar as normas constitucionais e a legislação que regem o caso, especificamente o contido no Decreto n. 4.502, de 09-12-2002:
Art. 39. Aos oficiais R/1 e aos oficiais e aspirantes-a-oficial R/2 e R/3, convocados para o serviço ativo, aplica-se o estabelecido no Estatuto dos Militares, no tocante à perda do posto e da patente.
Parágrafo único. O aspirante-a-oficial temporário, licenciado a bem da disciplina, perderá o grau hierárquico e receberá o Certificado de Isenção Militar previsto na legislação que trata do Serviço Militar.
Art. 40. A perda do posto e da patente do oficial temporário, em decorrência de ter sido julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível pelo Superior Tribunal Militar, será efetivada pelo Chefe do DGP e o ex-oficial receberá a Certidão de Situação Militar prevista na legislação que trata do Serviço Militar.
Parágrafo único. A perda do grau hierárquico dos aspirantes-a-oficial temporários será efetivada pelo comandante de RM.
Observe que ocorrendo a de perda de posto e patente do oficial é caso de exclusão da Reserva de 2ª Classe (R/2), no caso dos oficiais integrantes da reserva não remunerada, quando convocados para o serviço ativo. Em ralação a eles note que apenas quando convocados para o serviço ativo, aplica-se o estabelecido no Estatuto dos Militares, no tocante à perda do posto e da patente.
IV- A questão constitucional
O Conselho de Justificação das Forças Armadas é destinado a julgar, através de processo especial, da incapacidade do oficial das Forças Armadas – “militar de carreira”, para permanecer na ativa, criando-lhe, ao mesmo tempo, condições para se justificar.
O referido processo pode, também, ser aplicado ao oficial da reserva remunerada ou reformado, presumivelmente incapaz de permanecer na situação de inatividade em que se encontra. (Lei n. 5.836, de 05-12-1972, art. 1°). Ao indicar apenas o “militar de carreira” a Lei exclui por completo o “militar temporário”.
Noutro aspecto, a Constituição Federal de 1988, dispõe:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
[....].
§ 3°
I - as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
[....]
VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior.
[....]..
Dessa forma é considerada não recepcionada pela Constituição Federal a expressão “militar de carreira”, constante na Lei do Conselho de Justificação das Forças Armadas, porque, em certos casos, ocorrerá a perda de posto e patente dos oficiais, inclusive dos chamados “temporários”, e a única forma desse fato se operar é através do pronunciamento do tribunal competente, no julgamento dos autos de Conselho de Justificação. Portanto o militar da reserva não remunerada quando convocado é considerado militar em “serviço ativo” e, embora, continue “temporário” deve ser submetido ao Conselho de Justificação, se incidir numas das hipóteses da lei.
Outro aspecto constitucional relevante é a situação jurídica do militar da reserva não remunerada, enquanto permanecer nessa situação de reserva. A Constituição Federal ao discriminar que aos membros das Forças Armadas são denominados militares, e que as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, não fez qualquer distinção entre militares da reserva remunerada e militares da reserva não remunerada (CF-88, art. 142, § 3°, I).
As constituições anteriores também não se preocuparam em fazer tal distinção, discriminando apenas que as patentes, com as vantagens, prerrogativas e deveres a elas inerentes, são asseguradas em toda a plenitude, aos oficiais da ativa e da reserva como aos reformados, bem como, discriminando também que os títulos, postos e uniformes militares são privativos dos militares da ativa, da reserva ou reformados (CF-1934, art. 165, § 3°, CF-1946, art. 182, § 1° e CF-1967, art. 94, § 1°).
No entanto, pela interpretação do artigo 3° do Estatuto dos Militares chegar-se à conclusão que o militar da reserva não remunerada é um civil, onde os direitos atinentes ao posto não surtem efeitos jurídicos. Em complemento o Regulamento Disciplinar do Exército prescreve que o militar da reserva não remunerada não está sujeito ao regulamento disciplinar (RDE-2002, art. 2°) e a Lei do Conselho de Justificação dos Oficiais das Forças Armadas também não alcança o militar da reserva não remunerada (Lei n. 5.836, de 05-12-1972, art. 1°) e, pro fim, prescreve o regulamento que os oficiais e aspirantes-a-oficial da reserva não remunerada usarão uniformes militares somente quando incluídos no serviço ativo (Decreto n. 4.502, de 09-12-2002, art. 46).
Observe então que toda a legislação infraconstitucional parte da premissa que a Constituição Federal, ao detalhar os direitos e deveres decorrentes do posto e da patente, somente se refere aos militares da ativa, aos da reserva remunerada e aos reformados.
V- Questões jurisprudenciais controversas
A jurisprudência do Superior Tribunal Militar é no sentido de que militar demitido “ex officio”, por tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, conforme previsão constitucional e legal (Constituição Federal de 1988, art. 142, § 3°, inciso II, combinado com a lei Federal 6.880, de 09-12-1980, art. 117) não impede o pronunciamento da Justiça Militar quanto a perda de posto e patente, se o processo já tiver sido instaurado anteriormente. Nesse sentido:
EMBARGOS EM CONSELHO DE JUSTIFICAÇÃO
I - O Oficial da reserva não remunerada é todo civil a quem se conferiu grau hierárquico de oficial por ato de autoridade competente ao depois confirmado em Carta Patente.
II - A Carta Patente de Oficial valida a submissão de oficial da reserva não remunarada a Conselho de Justificação.
III - Embargos rejeitados por decisão majoritária.
(Num: 2007.01.000196-8 UF: DF Decisão: 30/08/2007, Proc: BEM (FO) – EMBARGOS, Data da Publicação: 04/06/2008, Ministro Relator: Sergio Ernesto Alves Conforto).
A decisão acima mencionada foi por maioria de votos. O principal argumento em favor do voto vencido foi no sentido de perda de procedibilidade do Conselho de Justificação, tendo em vista a demissão “ex officio” do militar, por tomar posse em cargo público de provimento permanente.
Outro aspecto jurisprudencial relevante é quanto à competência para o julgamento dos militares da reserva não remunerada, nos crimes militares. Eles são considerados militares ou meramente civis? Existem decisões nos dois sentidos:
HABEAS CORPUS. OFICIAL DA RESERVA NÃO REMUNERADA. JULGAMENTO PELO CONSELHO PERMANENTE DE JUSTIÇA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA.
O Conselho Permanente de Justiça é o órgão competente para julgar integrante da Reserva não Remunerada da Marinha pela prática, em tese, de crime militar. O Reservista de 2ª Classe da Marinha não ostenta a condição de militar. A Carta Patente que detém só terá efeito jurídico em caso de convocação. Precedente do STM. Ordem denegada. decisão majoritária”.
(Num: 0000011-51.2014.7.00.0000 UF: DF Decisão: 13/05/2014 Proc: HC - HABEAS CORPUS, data da Publicação: 05/06/2014: Veículo: DJE Ministro Relator Olympio Pereira da Silva Junior, Ministro Relator para Acórdão Lúcio Mário de Barros Góes, g. n.).
HABEAS CORPUS
I - Conforme a lei e a doutrina, o Oficial da Reserva da 2º Classe das Forças Armadas, não é militar, sendo considerado civil, quando não prestando serviço militar. II - Conselho Especial de Justiça para a Marinha sorteado para julgar Oficial da Reserva de 2ª Classe da Marinha, que é considerado civil. III - Declarado nulo o Processo desde o sorteio do Conselho Especial de Justiça para a Marinha, determinando-se a remessa dos autos a um Conselho Permanente de Justiça para o Exército para nova apreciação do Feito, dado que há outros denunciados que são praças do Exército. IV - Habeas Corpus conhecido por unanimidade de votos e, por maiora, de ofício, declarado nulo o Feito” (Num: 2009.01.034680-5 UF: DF Decisão: 20/08/2009, HC - HABEAS CORPUS, data da Publicação: 23/09/2009, Ministro Relator Sergio Ernesto Alves Conforto, g. n.).
[.....]
- Por ser portador de Carta Patente, o Oficial da Reserva não remunerada deve ser processado e julgado perante o Conselho Especial de Justiça pelo critério ratione personae.
II - Em consequência, é nula a Decisão ora recorrida em virtude de ter sido proferida pelo Conselho Permanente de Justiça, Órgão julgador manifestamente incompetente para apreciar o presente feito.
Preliminar de nulidade acolhida. decisão majoritária”
(Num: 0000053-65.2013.7.12.0012 UF: AM Decisão: 10/09/2013 Proc: RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO, data da Publicação: 23/09/2013: Veículo: DJE Ministro Relator Lúcio Mário de Barros Góes Ministro Relator para Acórdão José Coêlho Ferreira, g. n.)
As decisões conflitantes, todas majoritárias, surgem de duas correntes: a primeira defende que militar da reserva não remunerada é civil, inclusive para fins de submissão a lei penal militar, no caso de crime militar, podendo ser julgado pelo Conselho Permanente; e outra corrente defende que o militar da reserva não remunerada, como detentor de carta patente, deve ser submetido a processo decorrente dessa situação (Conselho Especial).
O último acórdão destaca que o militar da reserva não remunerada deve ser submetido a processo que reconheça a prerrogativa do posto (no caso o Conselho Especial, conforme previsto no artigo 23 da Lei n. 8.457, de 04-09- 1992). A decisão apresenta uma grave incoerência, porque o militar da reserva não remunerada não pode ser submetido ao Conselho de Justificação para perda do posto e da patente (a lei não prevê tal hipótese).
Dessa forma haveria o reconhecimento de efeitos jurídicos decorrentes do posto e da patente (prerrogativa de julgamento pelo Conselho Especial), embora não haja previsão legal para que ocorra a perda do posto e da patente do militar da reserva não remunerada (contradictio inadjecto). Somente se for convocado ao serviço ativo é que ele se sujeitaria às normas para a perda do posto e da patente.
VI-Considerações finais
A condição jurídica do militar da reserva é de civil, a quem a lei concedeu uma patente militar. Na qualidade de militar da reserva não remunerada, é como os direitos e deveres inerentes ao posto e à carta patente permanecem em condição suspensiva, inertes. No entanto, com a convocação ao serviço ativo os direitos e deveres se manifestariam. Por isso, a perda do posto e da carta patente somente ocorrerá, se o militar for convocado para o serviço ativo e incidir numas das hipóteses constante na constituição e nas leis que regulam a matéria. Enquanto permanecer na reserva não remunerada trata-se de apenas uma honraria, sem qualquer efeito jurídico.
Quando a Constituição Federal refere-se aos direitos, às prerrogativas, aos deveres inerentes às patentes e que essas patentes são asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou reformados, a expressão “reserva” deve abranger somente os militares da reserva remunerada.
O próprio Supremo Tribunal Federal ao editar a Súmula n. 55, editou-a nos seguintes termos: “militar da reserva está sujeito à pena disciplinar” (Sessão plenária de 13-12-1963, publicação: Imprensa Nacional, 1964, p. 51). Observe que o termo “reserva” constante na súmula somente se refere aos militares da reserva remunerada, porque militar da reserva não remunerada não se sujeita ao regulamento disciplinar.
Portanto, assim como especificado na Constituição Federal, como na Súmula do STF a melhor interpretação é de que o termo “reserva” somente se refere aos militares da reserva remunerada. É nesse sentido que toda a legislação infraconstitucional, que rege a situação jurídica do militar da reserva não remunerada se apóia.
REFERÊNCIAS
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_______. Constituição Federal de 1946. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm, acesso em 22-06-2015.
_______. Constituição Federal de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm, acesso em 22-06-2015.
BRASIL. Lei n. 5.836, de 05-12-1972, dispõe sobre o Conselho de Justificação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L5836.htm, acesso em 20-06-2015.
________. Decreto n. 71.500, de 05-12-1972, dispõe sobre o Conselho de Disciplina. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d71500.htm, acesso em 20-06-2015.
________. Lei n. 6.880, de 09-12-1980, Estatuto dos Militares. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6880.htm, acesso em 20-06-2015.
________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 05-10-1988. Diário Oficial da União n. 191-A, de 05-10-1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 20-06-2015.
________. Lei n. 8.457, 04-09-1992, Organiza a Justiça Militar da União e regula o funcionamento de seus Serviços Auxiliares. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/LEIS/L8457.htm, acesso em 22-06-2015.
________. Decreto n. 4.346, de 26-08-2002. Diário Oficial da União 27-08-2002. Regulamento Disciplinar do Exército. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4346.htm, acesso em 20-06-2015.
_________. Decreto 4.502, de 09-12-2002, aprova o Regulamento para o Corpo de Oficiais da Reserva do Exército Brasileiro - R-68. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4502.htm, acesso em 20-06-2015.
_________. Superior Tribunal de Justiça: REsp 250.566/RS, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, julgado em 25-06-2004, DJ 02-08-2004, p. 470. Disp. em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=476703&num_registro=200000217158&data=20040802&formato=PDF, acesso em 20-06-2015.
________. Superior Tribunal Militar: Num: 2007.01.000196-8 UF: DF Decisão: 30-08-2007, Embargos, Data da Publicação: 04-06-2008, Ministro Relator: Sergio Ernesto Alves Conforto. Disponível em: http://www2.stm.jus.br/pesquisa/acordao/2007/160/01.0001968/01.0001968.pdf, acesso em 20-06-2015.
________. Superior Tribunal Militar: Num: 0000011-51.2014.7.00.0000 UF: DF Decisão: 13-05-2014 Proc: HC - HABEAS CORPUS, data da Publicação: 05-06-2014: Veículo: DJE Ministro Relator Olympio Pereira da Silva Junior, Ministro Relator para Acórdão: Lúcio Mário de Barros Góes. Disponível em:
http://www2.stm.jus.br/pesquisa/acordao/2014/180/10353780/10353780.pdf, acesso em 20-06-2015.
________. Superior Tribunal Militar: Num: 2009.01.034680-5 UF: DF Decisão: 20/08/2009, HC - HABEAS CORPUS, data da Publicação: 23/09/2009, Ministro Relator Sergio Ernesto Alves Conforto. Disponível em: http://www2.stm.jus.br/pesquisa/acordao/2009/180/01.0346805/01.0346805.pdf, acesso em 21-06-2015.
________. Superior Tribunal Militar: Num: 0000053-65.2013.7.12.0012 UF: AM Decisão: 10/09/2013 Proc: RSE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO, data da Publicação: 23/09/2013: Veículo: DJE Ministro Relator Lúcio Mário de Barros Góes Ministro Relator para Acórdão José Coêlho Ferreira. Disponível em: http://www2.stm.jus.br/pesquisa/acordao/2013/310/10003069/10003069.pdf, acesso em 21-06-2015.
MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à constituição brasileira de 1946, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954.
Mestre em políticas públicas pela Universidade Estadual de Maringá (2016), graduado no Curso de Formação de Oficiais pela Academia Policial Militar do Guatupê (1994), graduado em Administração pela Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana (1998) e graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (2009), com aprovação no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Possui experiência na docência militar nas disciplinas de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Administrativo. Possui ampla experiência em Polícia Judiciária Militar e experiência no setor público, principalmente em gestão de pessoas e formulação de projetos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Douglas Pereira da. A situação jurídica do oficial da reserva não remunerada: status de civil, a quem a lei concedeu uma patente militar? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jul 2015, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /44731/a-situacao-juridica-do-oficial-da-reserva-nao-remunerada-status-de-civil-a-quem-a-lei-concedeu-uma-patente-militar. Acesso em: 28 dez 2024.
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Gabriel Bacchieri Duarte Falcão
Por: Sócrates da Silva Pires
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